Uma viagem autêntica pode mudar sua vida

NOS PREOCUPAMOS EM FAZER LISTAS DO QUE QUEREMOS VER E VISITAR, MAS ESQUECEMOS QUE O QUE FAZ A GRANDE DIFERENÇA SÃO AS EXPERIÊNCIAS MAIS AUTÊNTICAS DA VIAGEM.
Muitas vezes, as situações que vão te trazer os maiores aprendizados não estão previstas em um roteiro de viagem, elas simplesmente acontecem, sem você planejar.

Há pouco tempo atrás eu conheci a história do Felipe. Com apenas 19 anos ele completou uma volta ao mundo em 1 ano e meio. Tão jovem e ao mesmo tempo tão maduro. Ele não buscava riscar da sua lista os lugares mais bonitos do mundo… O que ele queria era conhecer mais da essência de cada lugar. E assim ele foi convivendo, entrevistando e fotografando crianças que cruzavam o seu caminho, no intuito de redescobrir a juventude através dos olhos e das palavras delas. A idéia acabou virando o livro Jovem o suficiente, que também tem uma página no FB.

O Felipe ficou interessado em falar sobre a autenticidade nas viagens e eu tenho o prazer de compartilhar um pouco da sua experiência na ViraVolta.

Texto de Felipe Gaúcho

 

Os pizzaiolos zarparam pra dentro da cozinha, perfumando a atmosfera do cômodo com o aroma irresistível de queijo derretido e orégano. Rodopiaram rodelas de massa na ponta do dedo, antes de arremessá-las em sincronia pra dentro do fogão a lenha. Ao fundo, a cantiga italiana ditava o ritmo da cena. Seria impossível sentir-me mais imerso na cultura italiana, a não ser que… eu estivesse, de fato, na Itália.

A situação aconteceu na Disney, durante uma “demonstração cultural”. E exemplifica bem o que Umberto Eco (autor que, por coincidência, é italiano) chama de hiperrealidade.

Hiperreal é toda imitação que reproduz a realidade com uma riqueza de detalhes que transcende o objeto original. Sendo assim, é uma representação tão real de uma determinada situação, que acaba virando mais que real: hiperreal.

A definição é útil quando se trata de autenticidade e viagens. Nosso fascínio (ou o meu, pelo menos) por fotografias que revelem cantos remotos do planeta, tribos relativamente intocadas, ou nativos vestindo trajes típicos de certas regiões, remonta ao fato de que, cada vez menos, temos contato com expressões autênticas de cultura local.

É comum assistir a espetáculos circenses chineses… em São Paulo; performances de dança balinesa… num cruzeiro pelo mediterrâneo; e coisas do gênero. Mas qual foi a última vez que você sentiu ter entrado em contato, de fato, com um traço único da cultura de um lugar, pessoalmente, sem fazer parte de uma plateia, ou sem ter de colocar um nativo na posição de ator?

Já basta a espetacularização do cotidiano promovida pelas redes sociais e pela cultura do “show do eu”. Viajar pode servir de ponte para experiências mais cruas e menos envernizadas, mais naturais e menos performáticas, mais reais e menos hiperreais.

Pôr o pé na estrada em busca de autenticidade nos faz enxergar beleza em situações que desprezamos, quando em casa. Não me lembro da última vez que ganhei o dia por ter sido cumprimentado por um estranho, aqui em São Paulo. Mas esse tipo de sensação me inundava com frequência enquanto eu caminhava por trilhas recém-abertas na região de Tamang, no nordeste do Nepal, há alguns anos atrás.

As rotas pelo Everest provavelmente ofereceriam vistas mais bonitas, templos budistas mais bem preservados (leia-se: reconstruídos), e casas de chá adornadas até o teto com enfeites típicos. Mas talvez, devido a abundância de turistas, elas não oferecêssem as dezenas de namastês (o cumprimento com as mãos juntas, típico do Himalaia) inocentes e sorrisos surpresos que recebi de estranhos às margens da trilha pela qual eu caminhava, no outro canto do país, desprovido de tanta pompa, mas rico de si mesmo.

Viagens por lugares menos visitados geralmente fazem com que despertemos mais curiosidade e sejamos mais bem recebidos pelos locais. Daí é um pulo para o estabelecimento de laços, e o contato com excentricidades culturais que se revelam na relação interpessoal, mas escapam à agenda de performances desenhadas especificamente para embalar e transmitir a essência de uma determinada cultura.

Um exemplo bobo: você sabia que Everest é o nome dado à maior montanha do mundo por exploradores ingleses, e que o nome nepalês é Sagarmatha (“mãe do oceano”)? E que o nome nepalês ainda tem outro concorrente: o chinês/tibetano Chomolungma? E que essa não é a montanha mais sagrada da região, segundo os tibetanos, mas sim o Kailsah, monte ao redor do qual se realiza uma peregrinação sempre em sentido horário (a não ser no caso das religiões Jain e Bonpo), e cujo cume nunca foi conquistado?

Eu também não sabia. Das explicações que diversos guias me deram sobre o Himalaia, só não esqueci da altura do Everest: 8848 metros. O resto eu aprendi enquanto convivia com uma família que me acolheu durante alguns dias em Katmandu.

Experiências desse tipo tendem a deixar legados mais duradouros – ao menos para mim – que shows culturais, encenações de danças típicas e outras demonstrações do gênero.

A autenticidade arregala os olhos da alma de um viajante, e faz lembrar que viajar, no fundo, nada mais é do que caçar diferenças.

Na Bósnia, ter visitado a última vila medieval do país me carimbou a memória com mais força do que a belíssima (e acostumadíssima a turistas) cidade de Mostar. Na Guatemala, as famílias da etnia Ixil que me mostraram um pouco da sua herança indígena me maravilharam mais que as lindas (e cheias de mochileiros europeus) cataratas de Semuc Champey.

Não precisa ser sempre assim, é claro. Um pouco de mordomia não faz mal a ninguém, e viagens permeadas de luxo servem, também, para curar a ressaca de experiências “autênticas” não tão bem sucedidas. Eu, por exemplo, já fui forçado a abandonar a casa de uma família cigana, na Romênia, depois de um incidente envolvendo uma arma de fogo. E já fui cordialmente expulso da residência de um anfitrião turco, às cinco da manhã, porque o conflito na vizinha Síria estava pegando fogo, e uma bomba tinha recém caído perto da casa onde eu dormia.

Incursões ao interior de alguns países exigem tempo, paciência e, mesmo assim, às vezes terminam sem oferecer muitas surpresas. É aí que nos ensinam, aliás, a reconhecer beleza nos acasos mais simples da vida – lição que pode e deve ser trazida conosco de volta pra casa.

É então, entre uma jornada e outra, que absorvemos tudo o que vivemos, separamos realidades de hiperrealidades, e decidimos a maneira pela qual faremos nossas próximas viagens. Nesse sentido, não existe certo ou errado. A maior autenticidade de todas, afinal, é cada um viajar do jeito que gosta e que bem entende.

FELIPE GAÚCHO

Aos 19 anos, Felipe partiu para uma viagem de volta ao mundo de um ano e meio, durante a qual conversou, fotografou e conviveu com crianças, para redescobrir a juventude. Conheça o projeto Jovem o suficiente: livro + FB.

São as diferenças que fazem com que viajar o mundo seja tão interessante. São elas que nos fazem observar, refletir, questionar… Aprender. E são elas também que nos ensinam a ter gratidão e a valorizar tudo o que temos de bom em nossas vidas. Na sua próxima viagem, faça até listas, mas tente viver uma viagem autêntica e se abra para a experimentação. Isso vai fazer toda a diferença.

Créditos das fotos: Felipe Gaúcho

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Carol Fernandes

IDEALIZADORA

Uma virginiana certinha da pá virada, que virou de vez depois de viajar o mundo e decidiu que só ia fazer o bem. Criou a ViraVolta porque acredita que viajar o mundo transforma as pessoas e as pessoas transformam o mundo. Não escreve rebuscado, poético ou certinho, mas fala com a alma e o coração.​

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